
O sim do não
Nas zonas rurais onde trabalho existe uma curiosa maneira de responder às perguntas formuladas por um estranho. Sobretudo se essas questões solicitam a dicotomia do "sim" e do "não". Resolve-se da seguinte maneira: responde-se sempre sim. O "não" simplesmente não se diz.
Esta forma de retórica (ou melhor, esta ausência de retórica) traduz a nossa condição geográfica: somos já o Oriente. Não negar é uma educação. Mas esta elegância de trato cria, por vezes, problemas aos que necessitam de respostas claras e concisas. É o meu caso quando chego a uma zona litoral e necessito de organizar o meu trabalho. À minha pergunta:
—A maré está a subir?
A resposta já aconteceu assim:
—Está a subir, sim, senhor, mas já começou a descer há mais de duas horas.
Outras vezes, quando a minha intuição me dá garantias de boletim meteorológico, avanço:
—Amanhã vai chover!
Recebi, por vezes, a seguinte resposta:
—Vai chover, sim, senhor, mas a chuva, essa, só vai começar a cair na próxima semana.
Uma outra vez, tendo por missão identificar a fauna numa floresta, perguntei a um velho que me acompanhava:
—Isto que está a cantar é um pássaro?
—É, sim.
—E como se chama este pássaro? — quis eu saber.
—Bom, este pássaro, nós aqui em Niassa não chamamos bem-bem pássaro. Chamamos de sapo.
Mia Couto, in E se Obama fosse africano? e outras interinvenções, 2009
Fotografia: Miguel Castro Oliveira | 2024