António João Pedro Nuno Manuel

01-09-2023

De António Lobo Antunes

A infância atravessada é pior que uma espinha: a gente engole bolas de pão e não passa. Talvez seja por isso que vou a Benfica uma vez por mês, se tanto, e quando lá vou me sinto como um cão à procura de um osso que julga ter enterrado e afinal de contas não existia osso nenhum. Um osso que mesmo assim procuro até me arderem os olhos. Como me procuro nos álbuns de retratos. Como me procuro debaixo da minha cama

( está lá, a minha cama)

como me procuro no quintal, na figueira do quintal, no sítio em que havia o poço, em que havia a capoeira, de modo que depois do jantar fico no automóvel a ver o muro, o portão com um ananás de cada lado, as janelas trancadas, a copa escura da acácia porque é noite. Se calhar é sempre noite quando a gente cresce. Fico no automóvel à espera que a minha mãe me chame e sabendo que não me chama porque julga que me fui embora. Realmente fui-me embora.

Para sempre.


In, As coisas da vida

.

Horizontes©
 
 Todos os direitos reservados | RiGuel 2020

Respeite os direitos de autor 
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora